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Aceitação do nome social na UEPG ajuda a criar precedentes de direitos para transexuais

No começo de agosto, foi aprovada na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) uma medida que permite a travestis e transexuais serem chamados pelo seu nome social em concursos públicos, que englobam vestibulares e processos de admissão de professores. O processo foi iniciado em fevereiro de 2014 pela estudante de Farmácia Alícia Krüger, representante discente do Conselho Superior da universidade. A UEPG seguiu, para isso, a portaria nº 1.612, publicada pelo Ministério da Educação (ME) em 11 de novembro de 2011, que assegura “o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do Ministério da Educação”.

Segundo Alícia, o parecer positivo da universidade não foi uma grande surpresa nem o projeto sofreu grandes mudanças, uma vez que internamente a comunidade universitária já respeitava, de forma geral, o nome social. Isso se reflete na agilidade com que o processo passou pelas diversas instâncias: seis meses depois de aberto, ele já havia sido aprovado pelo reitor, Carlos Luciano Sant’Ana Vargas. Perto do tempo que os processos de mudança de nome civil para pessoas trans levam na Justiça – chegam a anos -, seis meses é um período de tempo consideravelmente curto.

A medida é um grande avanço na luta pela aceitação do gênero no Brasil, especialmente porque se encontra no âmbito institucional. Como o censo do IBGE continua não englobando a comunidade trans em suas pesquisas, ainda não se tem uma noção geral da escolaridade do grupo. No entanto, Alícia, que é militante da causa, conta que nos diversos encontros e palestras sobre o tema que já participou pôde perceber que a grande maioria não possui ensino superior – tanto que sua iniciativa para que o nome social fosse respeitado na UEPG foi motivada pela vontade de começar a mudar essa realidade. Segundo ela, ser chamado pelo nome social é fundamental para a integridade emocional, fator que influencia diretamente no desempenho de uma prova. A medida não inclui a assinatura em documento para evitar possíveis problemas ideológicos.

Com a medida adotada pela UEPG, Alícia Krüger começou a quebrar o paradigma da presença dos trans no meio universitário  (Foto: Divulgação)

A importância do nome social

Um cidadão ser identificado por um nome é um direito assegurado pelo Código Civil, no Artigo 16º. Mudar o nome ou o sobrenome é algo recorrente – em casamentos, por exemplo, quando a mulher adota o sobrenome do marido – para se adequar a uma nova situação de vida. Da mesma maneira, isso se aplica aos trans, que não se reconhecem pelo seu nome civil e que vão à Justiça buscar o direito da mudança.

Hoje ainda não existe uma lei para regulamentar a situação, o que acarreta numa espera pelo bom senso dos juízes na interpretação de cada caso. Quando se entra com um pedido de nome, também se espera a mudança de gênero – para que exista coesão entre os dois. No Paraná, são apenas dois os casos de mudança de nome civil e o gênero sem cirurgia de adequação de sexo. A partir do momento em que se obtém a mudança, é possível que todos os outros documentos sejam alterados sem que isso apareça – afinal, o processo é segredo de Justiça. O maior problema, no entanto, é encarar a loteria dos juízes, que têm posições variantes entre liberais e conservadores e que influenciam diretamente no futuro do cidadão. O que é imprescindível lembrar é que a mudança de nome pode facilitar de maneira inimaginável a vida dos trans que veem no seu novo nome um caminho para a própria liberdade. Ter no documento um nome que não o identifique e até o envergonhe é um impedimento para seu próprio desenvolvimento pessoal, uma vez que se depende dele para ações básicas do dia a dia, como fazer matrícula em qualquer curso, entrar em determinados espaços ou viajar.

Enquanto a Constituição assegura a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos sem preconceitos, os juízes ainda demandam a cirurgia de adequação de sexo para aceitar a mudança de nome – mesmo com precedentes recentes provando que a intervenção não é necessária. Cada cidadão tem seus próprios obstáculos no seu dia-a-dia – seja no trabalho, nos estudos ou procurando algo que o identifique. Os trans, no entanto, têm, além disso, o desafio de buscar para si o que para muitos é algo que já está tão intrínseco à sua própria realidade que nem parece possível não ser igual para todos: se identificar com o próprio gênero, com o próprio nome, com o próprio eu. É uma luta incansável pelo respeito e pela dignidade, que começa a dar resultado quando medidas como a adotada pela UEPG são aprovadas. Enquanto precedentes forem fundamentais para basear decisões futuras em âmbitos institucionais, conquistas como a de Alícia são um grande diferencial.

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