sex 19 abr 2024
HomeDestaquesFalta de espaço e reconhecimento em boates são percalços para drag queens...

Falta de espaço e reconhecimento em boates são percalços para drag queens curitibanas

Nascida em 1992, quando se apresentou na inauguração de um bar em Maringá, Brigitte Beaulieu se tornou uma das mais famosas e importantes drag queens da cena curitibana. No currículo, constam mais de dez anos de apresentações em eventos, uma carreira como hostess da boate LGBT mais conhecida da capital paranaense e participações em semanas de moda. Hoje, há cinco anos longe de palcos de casas de show, mantendo uma agenda de até três compromissos profissionais por fim de semana, Beaulieu é categórica quanto a quem está dando os primeiros passos na arte de se montar em Curitiba: “Para quem está começando, minha dica é que não o faça”. Entre as reclamações das drag queens curitibanas, estão a falta de reconhecimento, cachês baixos e a estrutura precária dos espaços que recebem e organizam os shows. Esse é o tema da terceira matéria da série sobre cultura drag que o Comunicação tem publicado nas últimas semanas.

Brigitte Beaulieu, ao meio, e Anne Summers, à direita, em evento realizado pela revista Lado A (Foto: revista Lado A)
Brigitte Beaulieu, ao meio, e Anne Summers, à direita, em evento realizado para comemorar o aniversário de 15 anos da Cats Club
(Foto: revista Lado A)

No Brasil, o primeiro boom das drag queens aconteceu com a estreia do filme Priscilla, a Rainha do Deserto, de 1994. A história gira em torno de duas transformistas e uma transexual que são contratadas para uma apresentação em uma região remota da Austrália. O grupo vai de Sydney até seu destino a bordo de um ônibus batizado como Priscilla. O sucesso do longa promoveu a arte drag como peça importante do cenário cultural. Entre 1996 e 1998, as profissionais passaram a ser contratadas com mais frequência para marcar presença em eventos sociais como formaturas, casamentos e festas de debutante.

Por coincidência ou não, Brigitte chegou à capital paranaense exatamente em 1994. Sua porta de entrada na cena curitibana foi a popularização da presença drag em cerimônias, desde chás de panela até festas de 15 anos. “Talvez as pessoas imaginem que havia preconceito, que o noivo do casamento ou o pai da aniversariante olhavam esquisito ou algo assim, mas era muito tranquilo”, garante. Seu rosto tornou-se conhecido quando passou a integrar a equipe da Cats Club, uma das boates mais conhecidas da capital, onde trabalhou por mais de oito anos. “Sou muito grata a essa experiência, mas atualmente só frequento esses estabelecimentos para me divertir, encontrar velhos amigos ou tomar uma cerveja”, conta. Ao ser questionada sobre as desvantagens de se trabalhar na noite curitibana, Beaulieu responde com apenas uma frase:  “O problema é que santo de casa não faz milagre”, referindo-se aos problemas existentes que não podem ser combatidos por quem trabalha na casa.

Dificuldades

 “No quesito artístico, as drags curitibanas estão acabando. Hoje, a Cats é a única que ainda tem uma agenda de shows”, opina Anne Summers, vencedora da categoria “Melhor Dublagem” do Troféu Fama Curitiba, em 2011 e 2012, que premia performances drag na capital. Desde criança, as brincadeiras de Anne consistiam em vestir as roupas da tia para interpretar e dublar canções infantis. Com uma trajetória marcada por bullying na escola, preconceito e cerca de um ano sem contato com a mãe devido a sua orientação sexual, Summers conheceu o mundo que mudaria sua vida para sempre aos 21 anos.

“Fui a uma casa de shows e conheci uma drag, a Victoria Winner. Descobrimos por acaso que éramos vizinhos, nos tornamos grandes amigos e ela percebeu que eu tinha talento”, revela Summers. A boate que foi o divisor de águas da vida de Anne era a Época, na Avenida 7 de Setembro. Algum tempo depois, a drag passou a integrar o elenco de apresentações fixas do Side Caffé. Hoje, nenhum dos espaços que foram válvulas de escape para Summers está aberto para apresentações, seja por ter fechado as portas ou ter extinguido de sua programação os shows semanais. “A maioria das casas só traz nomes famosos de São Paulo para se apresentarem de vez em quando, e só para atrair público mesmo”, explica.

Em São Paulo, a presença da arte drag na cena cultural ainda é muito forte. A Blue Space, uma das casas mais famosas da cidade, é destaque por trabalhar com elementos teatrais, jogos de luzes e apresentações temáticas. Os ingressos para os shows tem um preço salgado, girando em torno de R$ 80. Mesmo assim, a boate costuma lotar e abrigar filas na porta. Curitiba possui cerca de 15 bares e baladas classificados como espaços voltados ao público LGBT, além de festas pontuais com a temática drag. Apesar do número significativo, as profissionais do meio não alcançam o reconhecimento merecido pelo trabalho. “A maioria das drags famosas que conheço não se apresentam mais. Várias tem outras profissões e só performam de vez em quando”, conta Brigitte.

Summers, que não depende da arte drag para sobreviver e se monta por hobby, conta que já chegou a fazer shows de graça na capital paranaense. “Não vale a pena. A gente gasta, digamos, R$ 300 para fazer uma roupa de apresentação e recebemos um cachê de R$ 100”, afirma. Para ela, o ponto central da questão é que os estabelecimentos voltados ao público gay perderam sua identidade. “Agora tem muitos empresários heterossexuais, DJs héteros e frequentadores héteros que estão nessas baladas. Essas pessoas não conhecem a causa GLS, não entendem o que a gente gosta”, diz. “Para quem está começando, minha dica é que não o faça”, sugere Brigitte. “Mas, se precisar fazer, se sentir que não tem outro jeito, que estude. Leia, se profissionalize, pesquise muito, aprenda pelo menos mais um idioma, frequente workshops, porque nunca é fácil”, conclui.

Para conferir a primeira matéria da série, sobre a cultura drag na mídia, clique aqui.

Já, para conferir a segunda matéria, sobre a vinda de Yara Sofia à capital paranaense, clique aqui.

NOTÍCIAS RELACIONADAS
Pular para o conteúdo