qui 25 abr 2024
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Menor infrator: longe das ruas e dos olhos dos hipócritas

Fui alertado quando cheguei ao lugar: “são crianças que cometeram crimes”. Alguns maiores que eu e provavelmente mais fortes. Outros tinham rostos com espinhas e nenhum sinal de barba. Ali, o significado de família é diferente daquele que conheço. A maioria não conhece o pai e outra parte nem mesmo a mãe. Depois de seis meses ou um ano “alojados” em celas, voltarão para a companhia das ruas, onde o tráfico e a violência voltarão a fazer parte de seu cotidiano.

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Tudo remete ao universo da prisão (Foto: Assessoria da agência estadual de notícias)

“A gente gostaria de poder dizer que muitos deles sairão daqui recuperados. Mas não dá. Aqui nós fazemos a nossa parte. 90% deles participam das atividades e não dão problema, mas quando saem daqui, acabam engolidos pelo crime”, revelou-me um funcionário do Centro de Socioeducação, em Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba.

Cumprimentei cada um dos meninos. Algumas mãos pela pequena janela da porta de aço da cela, outras mãos faziam tarefas de jardinagem, mexiam em eletrodomésticos ou operavam computadores para a oficina de rádio. Olho no olho, pulso firme e um leve sorriso amarelo que não impedia de perceber um ar de tristeza em cada rosto. Eram órfãos, discriminados, violentados, sofridos.

É difícil acreditar que ali, na minha frente, estavam cerca de 30 crianças que mataram, roubaram, estupraram, traficaram, entre tantos outros crimes possíveis e que soam como absurdo para quem não conhece a realidade deles. Dura realidade.

Sentenciados pela justiça, eles cumprem uma medida “corretiva” para os erros que cometeram, muitas vezes sem a mínima maturidade para perceberem as consequências de seus atos. Foram movidos, possivelmente, pelo desejo de serem alguém, de serem aceitos socialmente. Um tênis, um celular, uma calça, uma camiseta. Aprenderam que ter é poder, numa lógica em que a aparência revela mais do que as ideias.

Para eles, é uma questão de sobrevivência. Se você não pode ser aceito pelas suas virtudes, que seja pela sua intemperança. E aí, quanto maior a ousadia, maior o reconhecimento do grupo ao qual pertence.

Agora, eles vivem uma rotina de punições e premiações, sob os olhos dos educadores sociais. Cultivam uma cultura interna que os obriga a seguir regras. Regras para comer, tomar banho, dormir. Parecem respeitar a hierarquia. Aprendem que há recompensas quando se é um “bom menino”, como a possibilidade de jogar bola, jogar videogame e participar de atividades externas.

“Saiu da linha, toma medida”, como se diz. E, aí, não pode participar das atividades. Fica isolado na cela. Entrei em uma que estava vazia. O lugar era escuro. Cerca de 6 metros quadrados. Um beliche de cimento para receber dois colchões e aos pés uma privada com pia. E só. A porta se fechou e ouvi o som do cadeado sendo fechado. Lembrei de um dos meninos que cumprimentei na entrada e o qual fiquei sabendo que havia tentado suicídio no internamento. Que vida…

Logo que chegam, os meninos são alertados para o que acontecerá quando saírem : “Daqui geralmente é prisão ou é caixão. Portanto, aproveitem para mudar de vida agora”. Mas o problema começa quando a pena termina. Muitas vezes eles têm que ser levados para casa pelos servidores, porque os pais não vêm buscar. Ou, então, voltam a conviver com a criminalidade dentro de suas próprias casas.

A situação dos meninos é uma forte evidência das contradições sociais que resultam de uma sociedade doente. O adolescente infrator é antes um indivíduo que revela as fragilidades dos laços sociais que nos unem. É a prova viva de que não estamos evoluindo. Uma “visita” como essa faz repensar muita coisa, principalmente para quem acha que ali estão apenas bandidos. Esses adolescentes estão longe disso. São vítimas que estão reagindo da maneira como a vida cruel que tiveram lhes ensinou e que agora pagam para garantir o sossego de uma elite privilegiada.

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